Uma das mais notáveis cantoras e compositoras da contemporaneidade, Dona Onete tem uma trajetória artística e de vida singular. Na esfera acadêmica, a artista já foi tema de pesquisa em diferentes campos do conhecimento. Dessa vez, o percurso de Ionete da Silveira Gama é abordado na área dos estudos discursivos e decoloniais produzidos pelo Gedai. A rainha do carimbó chamegado, como a artista ficou conhecida, é tematizada no projeto de qualificação de mestrado “Dona Onete e seu corpo de descolonização: nem somente rainha, nem apenas indígena, não apenas negra, nem somente artista”, da pesquisadora Yorranna Oliveira. O trabalho foi avaliado no último dia 15 de fevereiro por uma banca internacional, composta pelo professor doutor João Manuel de Oliveira, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-Portugal); e pela professora doutora Fátima Pessoa, do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL-UFPA).
A banca de qualificação aprovou o trabalho, que tem previsão para ser defendido para a comunidade acadêmica em maio deste ano. A dissertação está em andamento desde março de 2020 na linha de pesquisa Análise, Descrição e Documentação das Línguas Naturais, no PPGL-UFPA. As reflexões apresentadas na pesquisa são resultado das leituras e discussões realizadas pelo Gedai a partir dos debates sobre gênero, raça, discurso e poder nas sociedades amazônicas.
Analisando diferentes materialidades, como entrevistas para jornais e canais na internet, letras de imagens e imagens de discos, Yorranna Oliveira se debruça a pensar Dona Onete como uma sujeita que desafia a ordem hegemônica por meio de diferentes práticas discursivas. “Dona Onete exibe em seu corpo e visibiliza em suas canções ancestralidades indígena e africana, é uma mulher de 82 anos que ganhou projeção artística nacional e internacional já idosa, em uma sociedade que se recusa em deixar as mulheres envelhecerem. É um corpo que intersecciona raça, classe, gênero, idade, questões caras aos debates que fazemos hoje nos estudos do discurso com Michel Foucault e também nas discussões sobre colonialidade de gênero na perspectiva do pensamento decolonial”, explica a autora.
A dissertação de Oliveira busca refletir sobre as fissuras que Dona Onete provoca no chamado “dispositivo colonial”, uma formulação analítica trabalhada no Gedai e compreendida como uma rede de discursos, instituições e estratégias que tentam traduzir formas de viver e de ser a partir da ótica dominante. Mas este movimento é sempre contraditório e marcado por opressões e insubordinações num jogo em que os sujeitos e sujeitas se digladiam, convergem ou invisibilizam suas práticas.
O trabalho de pesquisa articula os pressupostos teóricos da arquegenealogia de Michel Foucault, sobretudo as definições de dispositivo e história descontínua. Da filosofia decolonial, a autora lança mão da teoria de Maria Lugones e suas reflexões sobre a colonialidade de gênero para pensar as dicotomias que forjam as definições sobre os sujeitos e sujeitas ao redor do planeta a partir das noções de humano e não humano. É nessa lógica que a discente aponta para as concepções da racionalidade moderna, onde se instituiu o homem branco, heterossexual, europeu e cristão como padrão de conhecimento e ideal de humanidade. Atenta a essas discussões, a pesquisadora adota a perspectiva interseccional da pensadora Lélia Gonzalez para pensar a subjetividade de uma mulher latino-americana que contraria o discurso hegemônico.
Texto: Yorrana Oliveira