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Live sobre interseções de gênero reafirma importância de analisar opressões de maneira conjunta

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“Ninguém estuda gênero pensando isoladamente”. Na estreia da programação do VII Seminário de Pesquisa Gedai/Geada/Leduni foi com essa afirmação provocativa que o pesquisador João Manuel de Oliveira atualizou uma demanda urgente e necessária: pesquisas dedicadas a esmiuçar a temática precisam atrelar raça, classe, etniCidade, sexualidade entre outras singularidades que atravessam os nossos corpos. Pensar gênero, em nosso tempo, é analisá-lo pela ótica da interseccionalidade, conceito-chave para interligar as emergências da pesquisa e da vida.

Transmitida pelo canal Grupo Gedai, no Youtube, a primeira live do Seminário trouxe o tema “Interseções de Gênero” com o objetivo de desestabilizar concepções arraigadas a noções binárias, misóginas e sexistas. No encontro realizado na tarde dessa primeira quinta-feira de julho (02), os professores Atilio Butturi Junior (UFSC), Flávia Lisbôa (UFRA) e João Manuel de Oliveira (UFSC) debateram a importância desse atravessamento para os estudos no campo da linguagem e como um olhar que tenta dar conta do cruzamento de discursos e relações de poder presentes na experiência dos sujeitos e sujeitas. “Gênero, binarismo heteronormativo, misoginia e sexismo. Esses são alguns pontos fundamentais e fundantes de discursos que nos levam neste encontro a discutirmos a produção discursiva de verdades, entendidas sobre a ótica de Michel Foucault como produções históricas, devastadoras de corpos, de subjetividades e de vidas”, pontou a doutora em Linguística e Língua Portuguesa Denise Witzel, mediadora do debate.

A coordenadora do Grupo de Estudos sobre Raça, Gênero e Diversidade na Amazônia (Grada), professora doutora Flávia Lisbôa, instigou o debate ao reiterar a ancestralidade da noção interseccional, não como conceito, mas como uma bandeira de luta, uma herança das práticas das mulheres negras. Afinal, é no corpo da mulher negra que a opressão se instaura de maneira muito específica, mesmo que por muito tempo silenciada no feminismo. “As mulheres negras nunca conseguiram se inserir de forma equitativa no movimento feminista, porque a condição da mulher negra, os atravessamentos nesse corpo, nunca forma considerados pelo feminismo, vamos aqui chamar, de branco, o feminismo hegemônico. A provocação que as mulheres negras sempre fizeram com esse feminismo é na tentativa de se fazer visível, pra que ele faça sentido”, explicou a pesquisadora.


Alianças em lutas. Singularidades e feminismos

Doutora em Letras/Estudos Linguísticos, com tese sobre a língua na interface com a colonialidade e com os estudos discursivos foucaultianos, Flávia Lisbôa reforça as reivindicações do feminismo negro são provocações para vislumbrarmos, sob outros ângulos,  a condição da mulher. E olhar para o Brasil e sua trajetória como território requer uma ótica de análise pela perspectiva da colonização e de seus legados.

“Todas as autoras que vamos ler, dessa literatura do movimento de mulheres negras, colocam o racismo como sistema dominante de opressão. E no território em que a gente vive, todos esses sistemas de opressão vão ser atravessados  pelo fato de nós vivermos a colonialidade. Nós vivemos essa herança. O nosso sistema foi fundado a partir dessa experiência da racialização dos corpos, que veio da colonização. Então eu faço esses questionamentos de pensar esses feminismos, no plural. Quando falo de feminismo negro, eu não falo de um feminismo homogêneo, mas de vários movimentos de mulheres que têm suas histórias, suas posições territoriais”, comentou Lisbôa.

Os feminismos plurais para Flávia Lisbôa cumprem um papel crucial de tencionar generalizações, ao mesmo tempo em que especificam opressões vivenciadas por mulheres negras e indígenas, por exemplo. Para a pesquisadora é essencial lembrar que condições especificas de opressão não devem significar lutas isoladas, porque direitos reivindicados nas pautas dos movimentos provocam mudanças na estrutura de toda a sociedade.  “Porque nesses feminismos generalizantes, em que essas interseccionalidades não são consideradas, não faz sentido pra essas mulheres se posicionarem. O que faz sentido para uma mulher que é mãe, negra, favelizada em São Paulo, por exemplo? Com a polícia matando jovens, mesmo com uniforme, no caminho da escola? Como que as mulheres indígenas encaram o racismo e o neoliberalismo em seus enfrentamentos diários? Na verdade são  interesses e pautas que tocam a todos nós”.

Definido pela jurista afroamericana Kimberlé Cresnshaw, o conceito de interseccionalidade pode ser pensado operando como duas ou mais avenidas que se cruzam, numa interseção na qual trabalham de maneira conjunta. Com pesquisas atreladas ao Estudos de Gênero, Estudos Críticos da Sexualidade e Teoria Feminista, o doutor em Psicologia Social e Organizacional João Emanuel entende que no tempo em que vivemos falar de gênero apenas sob a ótica de pessoas brancas é um crime. Nessa linha de raciocínio, questionado sobre o papel das pessoas brancas na luta contra o racismo, o professor João Manuel refletiu sobre essa adesão às mobilizações e discursos antirracistas. “Os discursos independem às identidades. O discurso, como diria Foucault, é uma caixa de ferramentas que a gente se utiliza. Eu quero crer que algumas pessoas tenham começado a participar para erradicar o racismo da nossa sociedade. Então pra isso é muito importante criar alianças. O conceito de interseccionalidade nos aponta um caminho de coalizão, na construção de alianças, que podem ser transitórias, provisórias, mas que têm como objetivo agrupar grandes grupos em objetivos comuns”. 

 

E agora? Como ficam os estudos discursivos nesse debate?

Se as alianças são um potencial para conquistas comuns, o campo acadêmico é convocado a constantemente repensar seus temas, seus métodos, suas análises, seus discursos. Trabalhando com essas ponderações, o doutor em Linguística Atilio Butturi Júnior compartilhou algumas inquietações sobre as pesquisas desenvolvidas nos estudos linguísticos. Butturi Júnior tem como eixo central de pesquisa os problemas da arqueogenealogia foucaultiana, notadamente referentes ao discurso e à biopolítica.

Para pensar as pesquisas nos campos linguísticos e discursivos, o professor Atílio Butturi buscou acender o debate com os dados de uma busca no banco de teses e dissertações da Capes. “Em 2005, das 64 teses que mencionavam gênero, duas delas faziam sentido de gênero que não fosse discursivo, e essas duas estavam mais relacionados a coisas como literatura. Só em 2011, vão aparecer oito teses que pensam gênero. E agora em 2018, quando teve uma explosão de 5543 teses que tinham o gênero como tema, a linguística ainda tinha um número bem reduzido”.

Os dados enumerados por Butturi demonstram como a área ainda está presa a tradições sobre a forma de conceber a língua. Apesar do crescimento de investigações tendo o gênero com objeto, a área ainda está “atrasada” nos debates produzidos nas ciências humanas e na literatura. “Há 10 anos gênero e raça não eram questões caras à linguística. E tem dois movimentos para se pensar esse hoje:  tem uma coisa do discurso que começa na segunda década dos anos 2000; e alguma coisa da Linguística Aplicada, que é um pouco anterior, do grupo do Moita Lopes, que vai pensar a partir da pragmática e formar uma nova geração de pesquisadores, que vai pensar o corpo – do Foucault e dos estudos franceses – vai inscrever esse corpo nessa interseção de raça, classe e gênero. Então é importante que a gente pense esse agora a partir do nosso próprio campo”, instigou.

Debates da década de 80, as questões sobre gênero e sexualidade tentaram dar conta das produções de sentido ao que se estabeleceu como verdade durante um longo período na história, como a ideia de gênero construído sob a perspectiva biológica. Nesse cenário de questionamentos e tensões, o discurso feminista também passa a compreender que o sexo também é inventado. Na avaliação de Butturi Junior, esses discursos chamam atenção também para um duplo movimento nos sentidos mobilizados na esfera acadêmica, revelando tensionamentos e um movimento de retroação, de reafirmação do binarismo apesar dos avanços, da representativa das discussões na cena pública. “A gente conseguiu construir dentro da academia,  numa relação muito específica  com pessoas que circulam a partir de certos discursos, um tipo entendimento do que é gênero, ainda que tenha muito ruído, muita diferença. Do outro lado também se afirmou, se produziu um discurso que reforça a ideia de sexo biológico, de papéis sexuais definidos, que é o que a vive, por exemplo, no Brasil e Estados Unidos”. 

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O debate completo, com outras intervenções, perguntas da audiência, encaminhamentos de pesquisa e indicações de leitura, você confere no nosso canal > https://youtu.be/g68J2xlBJDg

 

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