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O Pedral do Lourenção no Rio Tocantins - Erika de Sousa/PDTSU-UFPA

Você sabe o que é a derrocagem do Pedral do Lorenção?

 

Diante disso, cabe questionar: até que ponto o crescimento econômico deve sobrepujar a preservação do meio ambiente e o respeito às comunidades afetadas? Como sociedade, estamos dispostos a sacrificar a biodiversidade e o bem-estar de populações inteiras em prol do progresso econômico de alguns?  

           A derrocagem de 43 km de pedral, não abrirá apenas uma via navegável para as barcaças do agronegócio, abrirá cicatrizes profundas nas sujeitas e sujeitos que enraizaram suas histórias, suas memórias, o seu R-Existir no Pedral do Lourenção.

 

 

Não somos invisíveis!

No país em que vivemos existem muitas empresas

Que mexem na natureza e tiram nossas riquezas

Falam do nosso rio que também é a nossa rua

Onde pescamos o nosso peixe na melhor fase da lua

E digo a vocês que essa é uma tradição

Que viemos executando de geração em geração

Éramos invisíveis para os empreendedores

Pois diziam que aqui não existiam moradores

Pesquisaram os morcegos, peixes e animais

Mas não pesquisaram Nós povos tradicionais

Como o nosso valor pode ter sido apagado

Se somos nós que seremos diretamente impactados?

Impactados pela hidrovia que aqui querem construir

Mas já sofremos tanto com a barragem de Tucuruí

Nosso lindo pedral, querem destruir!

Sinto pena dos peixes que ainda vivem ali

Se as tais barcaças na nossa rua vão passar

Queria em tão saber onde vamos pescar

O peixe da nossa mesa quer então tirar!

Como os pais vão seus filhos sustentar?

Querem entrar em nossa casa e essa obra fazer.

Mas hoje entendemos que temos muito poder

Obtivemos direito

Sobre os nossos direitos, agora o que falta

É recebermos o respeito

Somos ribeirinhos! Ribeirinhos pescadores!

Onde hoje almejamos sermos bons escritores

Escrever nossa própria História é o que temos buscado

para então amanhã Deixarmos o nosso legado

Eva Moraes, 23 anos, Comunidade Ribeirinha Extrativista de Praia Alta, Nova Ipixuna, Pará

O que significa a licença concedida pelo IBAMA em dezembro de 2023?

Para que um projeto dessa natureza possa ser implementado, o IBAMA (xxxx) precisa conceder uma licença ambiental de XXx.

No documento

Comunidades Atingidas
0
Quilômetros afetados com a explosão
0

A derrocagem do Pedral do Lourenço, prevista para ocorrer no Rio Tocantins na Amazônia brasileira, não apenas desafia nossa capacidade de enfrentar novamente neste bioma questões cruciais imbricadas entre a intervenção humana, as mudanças ambientais e as implicações socioeconômicas resultantes desse tipo de processo, mas instiga uma profunda reflexão sobre a turbulenta jornada que percorremos, na condição de populações amazônicas, marcada por triunfos e tragédias, avanços e retrocessos. Uma narrativa complexa, tecida pelas faces do progresso e do sofrimento, da solidariedade e do egoísmo, da criação e da destruição.

Neste cenário decisivo, a iminente construção da hidrovia Araguaia-Tocantins irá afetar a água e sua biota, a continuidade da vida de milhares de pessoas que têm esse e nesse território seu porto seguro. Também irá afetar a sustentabilidade de nosso planeta, para o qual a água segura e o equilíbrio ecológico são essenciais para o enfrentamento das mudanças climáticas e a manutenção da vida. 

Quem foi o Lorenção: narrativas locais

Os moradores da região dizem que o Lorenção existiu de fato. Ele..

Água potável e energia elétrica: "o avesso do avesso"

Boa parte da população que hoej vive nos territórios a serem afetados pela derrocagem do Pedral também foram vítimas da cosntrução da Hidrelétrica de Tucuruí. O Lourenção com seus recursos pesqueiros, transporte, lazer e cura, tem cuidado das cicatrizes deixadas pela construção da Hidrelétrica de Tucuruí. A promessa de emprego, melhoria de renda, melhor qualidade de vida que o desenvolvimento iria proporcionar não chegou para elas e eles. As crianças não melhoraram seu desempenho escolar, a energia elétrica é instável e fraca, o acesso a água potável não existe. 

As crianças enfrentam desafios significativos para estudar. As áreas que foram alagadas pela barragem, no período de seca, transformam-se em grandes ‘sequeiros’, assim chamado pelos moradores, inviabilizando o acesso ao rio devido às armadinhas no solo saturado. Para ir e vir à escola, em algumas comunidades, as crianças precisam percorrer quase seis quilômetros a pé, tornando a jornada árdua e muitas vezes inacessível para os menores, que acabam ficando sem ir à escola diariamente, tanto pela distância quanto pelas altas temperaturas da região. 

Enquanto o Território Pedral do Lourenção lida diretamente com os impactos da Hidrelétrica de Tucuruí, é irônico notar que a energia gerada por essa barragem é distribuída para grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, e empresas locais que consomem muita energia elétrica em seus processos produtivos. Apesar de serem os principais afetados, a realidade de acesso à energia elétrica para os residentes dessas comunidades é bem distante das promessas de desenvolvimento. O serviço de energia elétrica disponível nas comunidades é instável, fraco, sujeito a frequentes interrupções, muitas vezes chegando a ser insuficiente para operar equipamentos básicos. 

Essa precariedade na oferta de eletricidade acaba por inviabilizar até mesmo a tarefa fundamental de bombear água do poço para o consumo humano. Em alguns casos, as pessoas precisam adaptar-se a tal ponto que chegam a acordar de madrugada para ligar a bomba d’água, aproveitando o período de maior estabilidade elétrica, a fim de garantir o acesso à água do poço. Essa necessidade de ajuste aos horários mais propícios evidencia não apenas a precariedade do serviço elétrico nessas comunidades, mas também os esforços extraordinários que os moradores precisam empreender para suprir necessidades básicas, como o fornecimento de água para o consumo diário. Enquanto o progresso energético é celebrado em outras regiões, os habitantes das áreas impactadas pela hidrelétrica enfrentam diariamente as consequências da disparidade entre a produção e o acesso local à energia.  

No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela empresa ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), no Volume V – item 7.1.5.5, p. 2237 – População Presente na Região, a redação traz a seguinte caracterização:  

 

A ocupação populacional mais próxima às áreas onde serão instalados o canteiro industral, o canteiro de apoio e o paiol de explosivos é a Vila Santa Terezinha do Tauiri, em Itupiranga. (…) 

 Apresenta infraestrutura de energia elétrica, poços, reservatório d’água com distribuição por rede de mangueiras em implantação, coleta de esgoto por fossa séptica e coleta de resíduos sólidos mensal, contribuindo para o surgimento de depósitos de lixo irregulares. 

 

A infraestrutura de poços, na verdade são poços freáticos improvisados pelos próprios moradores. Em algumas comunidades, eles vão cavando os poços de acordo com o nível de água do rio. A instalação elétrica que atende o bombeamento em muitos casos é precária. Em algumas casas o poço está seco, porque o nível do lençol freático está muito abaixo. Como alternativa muitos deles têm que se deslocar a mais de 2 km em direção ao rio em buscar de água para consumo humano, mesmo que esta não esteja dentro dos padrões de potabilidade estabelecidos pela legislação. 

Abaixo temos algumas fotos que evidenciam a precariedade do acesso a água ao longo dos 43 km do Pedral do Lourenção. Residências que estão na parte baixa do relevo na Vila de Tauiry, por exemplo, têm seus poços cavados no quintal das casas, e aquelas que estão na parte mais alto do solo, têm poços no quintal, porém no período de seca, o poço também seca porque sua distância piesométrica está distante do nível do aquífero. Para acessar água para beber, muitos cavam cacimbas no sequeiro próximo do rio, e transportam em baldes e garrafas.  

Algumas famílias se abastecem diretamente do rio por meio de bombeamento instalado nos lagos formados pelos meandros rio Tocantins distante do canal principal e das residências, como é o caso, por exemplo, da ilha de Praia Alta, no município de Nova Ipixuna. Segundo moradores desta ilha, nos quintais das casas o nível de água do aquífero está muito profundo, logo bombear direto do rio reduz os custos financeiros de um poço ou a perda desses recursos quando se paga para cavar um poço artesiano sem sucesso, devido a distante profundidade das placas do aquífero. Alguns bombeamentos atendem mais de uma casa, e não mais que três. A instalação elétrica é improvisada e a distribuição da água é feita por mangueira.  

Em alguns pontos da Vila Tauiry é possível ver essas mangueiras pretas atravessando alguns quintais. O poço não necessariamente está do lado da casa, e essas mangueiras ajudam a fazer o escoamento da água. Talvez, sejam a partir dessas mangueiras que a empresa concluiu ser uma “rede de distribuição de água”. 

Para as famílias que se abastecem diretamente do rio, o bombeamento não é a realidade de todos. Muitos tem que ir até o rio com seus reservatórios. As mulheres aproveitam para lavar roupas, vasilhas, tratar o peixe, tomar banho e levar água do rio para beber. 

 

Poço na comunidade xxx Foto: Erika de Sousa

Na região do Pedral do Lourenço a água potável não é para todos

As comunidades não dispõem de uma rede de distribuição de água. Não existe reservatório que atenda a comunidade. No geral, o acesso a água de poço é por unidade familiar, custeado por ela. Em muitos casos os usos doméstico são feitos diretamente no rio, incluindo água de beber, sem nenhum tratamento prévio, visivelmente imprópria para consumo humano, conforme podemos observar nas imagens. 

Dona Maria Eunice da Silva, 52 anos, residente na ilha Brita, às margens do rio Tocantins há mais de 30 anos, na Comunidade Ribeirinha Extrativista Pimenteira, carrega consigo o dilema do acesso à água para consumo humano. Nice Silva, como ela gosta de ser chamada, é uma pescadora artesanal, mãe de oito filhos, e compartilha da mesma narrativa de muitas mulheres ribeirinhas do Território do Pedral do Lourenção sobre as dificuldades enfrentadas por sua família devido às condições precárias de vida impostas pela degradação ambiental imposta tanto pela hidrelétrica como pelos resíduos dos fertilizantes das fazendas de boi, e mais recentemente com a proliferação do mexilhão dourado, uma espécie exótica vinda em água de lastro (bittencourt e pereira, 2019). 

Ó gente! Esse aqui é o nosso poço que nós bebe a água, mas a água é uma água muito suja e até capa rosa ele tem. É o único lugar aqui no baixão que a gente achou para cavar esse poço. É… porque ele está meio longe, mais a água, mas dá pra gente ver que tem capa rosa. Ele é bem distante dali da ilha também um pouco longe né?! Ali é a nossa moradia… Então, olha só o tanto que está seco! Tudo seco isso aqui. E… a água do rio ainda é muito mais pior. A gente cava um poço assim… bebe água amarela. É uma água bem suja também. Mas a gente se sente melhor do que tá tomando água desse rio. Que, se… a água desse rio já está bem poluída com anta… é… uma nata. Uma capa veia verde. É um lodo verde que ela cria, aonde a água fica parada, represada ela cria um lodo. Aí a gente… até pra entrar na água… tem que banhar com água do poço, porque dá uma coceira. (Maria Eunice Silva, 52 anos, pescadora, Comunidade Ribeirinha Extrativista Pimenteira, Novo Repartimento, Pará. Entrevista realizada em 23 de novembro de 2023).

Diante do exposto, torna-se imperativa a realização de estudos hidrogeológicos abrangentes antes da execução do derrocamento. A compreensão aprofundada das características do solo e do subsolo, assim como da interação entre as águas subterrâneas e a superfície, é fundamental para avaliar os impactos potenciais desse processo sobre a disponibilidade e qualidade da água. 

Dona Nice está diante da necessidade urgente de encontrar soluções para o acesso à água dentro dos parâmetros estabelecidos por Lei para seus diferentes usos. A água amarela, é a única fonte de água disponível para saciar sua sede, seus familiares e os demais moradores da comunidade. Eles pegam a água da cacimba, deixam decantar e depois coam. Diz evitar beber a água do rio, no entanto, eles têm que beber essa água, porque não tem outra água própria para consumo. 

A incerteza em relação ao futuro da água do rio, somada à escassez já existente, coloca essas pessoas em uma situação precária, onde a simples obtenção de água para beber torna-se uma jornada árdua e incerta. 

É preciso fazer estudos hidrogeológico a fim de prevenir que muitas famílias não tenham que disputar a água do rio para consumo humano com a navegação de barcaças. Ressalte-se que, após o derrocamento, está prevista a dragagem em dois terços do rio. Esse procedimento, que visa a remoção de sedimentos e materiais do leito do rio, apresenta riscos significativos para a estabilidade do ambiente aquático. O rebaixamento do nível de água canalizada para a hidrovia poderá deixar a comunidade de Santa Terezinha de Tauiry sem acesso a água nos poços que eles já têm hoje, além de milhares de famílias residentes nas 22 comunidades do Território Pedral do Lourenção, distribuídas em cinco municípios paraenses, a saber: Itupiranga, Nova Ipixuna, Novo Repartimento, Goianésia do Pará e Jacundá.  

O nível d’água que já é distante nos poços/cacimbas das comunidades pode ficar mais distante e até mesmo desaparecer. O que já é difícil hoje, em termos de acesso à água e qualidade de vida para comunidades ribeirinhas, pode tornar-se ainda mais precário diante de um processo que altera substancialmente as condições do rio e de existências delas. 

  A batimetria de 1 km de rio que a empresa mediu se dá no período de cheia. No período de seca, tem pontos no canal do rio que não chega a 60 m, como é o caso do monumento maior do pedral, tido pelos Lourenção como o seu coração. Na Vila da Saúde, terceira comunidade após Tauiry, ainda em Itupiranga, onde está previsto apenas derrocamento, tem bancos de areia no canal do rio, logo a empresa para garantir largura e profundidade projetas, provavelmente, precisará dragar também. 

Como o Estudo de Impacto Ambiental do processo de Licenciamento Ambiental se destina ao derrocamento sem dragagem do Pedral do Lourenção (trecho 2), a empresa achou por bem não apresentar estudos da caracterização dos níveis de água dos poços de consumo humano. Não há estudo de ensaio de bombeamento de poço. No entanto, isso é um erro. O acesso à água é um direito fundamental, portanto, é preciso cumprir a Lei.  

A implementação de estudos hidrogeológicos, neste caso, não apenas se justifica como uma medida preventiva, mas é essencial para uma abordagem responsável no desenvolvimento de projetos de grande impacto ambiental, sobretudo social. Estes estudos forneceriam dados valiosos para orientar as decisões sobre os riscos para as comunidades locais, preservando a integridade ambiental e vivências dos Lourenção que se sustentam do rio Tocantins. 

 

As 23 Comunidades do Pedral do Lourenção

Comunidade Tauiry Itupiranga

Atualmente…..

125 famílias, com 625 pessoas

Comunidade Porto Novo Goianésia

Os moradores dessa comunidade vivem na região há 30 anos, desde que foram expulsos de suas terras para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí.

348 famílias, com 1740 pessoas

Comunidade Praia Alta Nova Ipixuna

Nessa comunidade várias mulheres trabalham na extração do coco de babaçu.

52 famílias, com 166 pessoas

Comunidade Santa Rosa Jacundá

Nessa comunidade vivem xxx famílias, com uma população de xxx pessoas

Nos períodod de seca do rio Tocantins, as crinças enfrentam muitas dificuldades para chegar até a escola, pois dependem do transporte fluvial.

Em 2023, apesar de todos os problemas socioambientais envolvidos nesse projeto, o IBAMA concedeu a licença para a a derrocada ….

Em xxx de 2023, o Ministério Publico fez uma série de audiências públicas

Ampliação da Hidrovia Araguaia-Tocantins ameaça ribeirinhos

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade

Toca Tocantins 

Nilson Chaves e Jamil Damous
Toca Tocantins
Tuas águas para o mar
Os meios não são os fins
Por que vão te matar?
Por que te transformar
Em águas assassinas
E nelas afogar a vida?

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